O IDOSO ATIVO E O TRABALHO DE SE MANTER PRODUTIVO

Uma das expectativas em relação ao idoso ativo é que ele se mantenha produtivo a fim de assegurar sua posição de bônus para a sociedade. O texto da política tende a direcionar esse trabalho para a função de cuidador familiar ou de voluntário. Neste sentido, o trabalho na velhice ganha caráter de doação, podendo ser deslocado para modelos informais e não remunerados.
Entre os participantes da pesquisa, a necessidade de ser visto como produtivo responde também a uma moralidade local. São Paulo é uma cidade onde o trabalho ocupa posição central na construção identitária de seus cidadãos, um direcionamento relacionado diretamente com os fluxos migratórios externos e internos que elegeram a cidade como destino. Por conta disto, a inutilidade é vista como falha moral. Daí a dificuldade de muitos dos participantes da pesquisa em lidar com a aposentadoria e com a perda do “crachá” que os credenciava como cidadãos de São Paulo.
A vontade dos participantes da pesquisa de “voltar à ativa” é um meio de se assegurar a permanência na sociedade de todas as idades e na sociedade paulistana. Não há entretanto ofertas de trabalho no mercado formal para esses idosos, muitos deles já vítimas de idadismo no meio corporativo.

Por isso, são esses próprios idosos que terão de criar os meios que viabilizem uma nova ocupação capaz de restituir-lhes a utilidade, a dignidade e o respeito.

Sennett (2004) propõe que a sociedade reconheça com respeito três tipos de ações definidoras de caráter. A primeira delas é o autodesenvolvimento implicado no ganho e aperfeiçoamento de habilidades e competências. Neste sentido, usar eficientemente uma habilidade é fonte de estima social enquanto seu desperdício (no plano pessoal ou econômico) é desaprovado socialmente. A segunda é o cuidado de si empregado na autonomia e no esforço de não se tornar um fardo para os outros, o que resultaria em vergonha. O contrário dessa dependência, a autossuficiência é objeto de respeito. A terceira ação identificada como meio para obtenção de respeito é a retribuição à comunidade, via voluntariado por exemplo. Essa é, para o autor “a fonte mais universal, atemporal e profunda de estima pelo caráter de alguém”. (Idem, p. 64, tradução).
Além do autocuidado que constitui por si só um dos trabalhos da tripla jornada do protagonismo, o autodesenvolvimento e voluntariado são justamente as táticas identificadas como aquelas eleitas pelos participantes da pesquisa para retomarem sua produtividade. Como projetos individuais, as atividades implicadas nessas táticas serão desempenhadas por esses idosos com a mesma seriedade e dedicação empregadas profissionalmente na rotina diária de trabalho ao longo da vida.
Através dessas ações que passam a organizar o cotidiano, as reflexões sobre o propósito da vida são substituídas pelo compromisso de viver a vida com propósito, o que significa produzir provas de caráter, como cidadão de São Paulo e como idoso ativo, visando a recuperação e a manutenção da dignidade e do respeito na velhice via o trabalho.

Autodesenvolvimento para o empreendedorismo:

• Há grande interpelação dos participantes da pesquisa para que se tornem empreendedores. É para capacitá-los para o empreendedorismo que se estrutura um mercado inteiro de consultorias voltadas para assessorá-los no desenvolvimento de habilidades que passam a ser identificadas como necessárias para a continuidade do trabalho na segunda metade da vida.
• Isso significa que o idoso ativo não só deve se manter produtivo, como ele mesmo deve criar os meios para isso. Já que estão por conta própria, a maioria dos projetos desenvolvidos por esses idosos tem como objetivo a própria melhoria da experiência do envelhecimento em São Paulo.
• As imagens de idosos empreendedores recontadas midiaticamente como modelos de sucesso assumem caráter aspiracional. Mas ao mesmo tempo que inspiram, esse imaginário gera angústias entre os idosos que ainda não descobriram qual é a sua verdadeira vocação. Como uma das participantes da pesquisa verbalizou: “eu preciso me reinventar”.
• Nem sempre o autodesenvolvimento para o empreendedorismo resulta na concretização de um projeto efetivo. Entretanto, a mobilização dos participantes da pesquisa no desenvolvimento de projetos coletivos mostra ganhos significativos em termos de sociabilidade com impacto direto para a qualidade de vida na velhice.
• Apesar de menos glamourosas em termos de narrativa, atividades como administrar imóveis no AirBnB e ser motorista de Uber se mostram mais efetivas com relação ao retorno financeiro.

O Voluntariado como recurso para a sociedade.

• O voluntariado vislumbra um retorno à sociedade que pode ser diretamente relacionado com a contribuição capaz de fazer a manutenção do status de bônus entre os idosos ativos.
• As atividades abertas à Terceira Idade no campo de pesquisa são essencialmente exercidas por voluntários aposentados. Na oportunidade de compartilhar algum conhecimento que identificam pertinente a seus pares, os próprios idosos podem ser responsáveis por ampliar esse portfólio de oportunidades, sugerindo e ministrando novas atividades.
• O voluntariado pode ser visto como a ocupação que mais se aproxima da rotina formal de trabalho. Por isso, é também frequente entre os participantes que o voluntariado seja interrompido em dado momento porque se mostra justamente incompatível com a Terceira Idade como fase de prazeres e de desobrigação com o trabalho.
• O voluntariado também apresenta um benefício extra para esses idosos porque ele fornece credenciais formais que podem ser usadas como substitutas das credenciais profissionais perdidas na aposentadoria.

Seja via empreendedorismo ou voluntariado, engajar-se nessas atividades é prova de produtividade e de caráter, (re)credenciando esses idosos como cidadãos de São Paulo.

A TRIPLA JORNADA DO PROTAGONISTA

O trabalho de se manter produtivo é o terceiro trabalho da Tripla Jornada do Protagonismo que propus. Você pode revisitar os dois outros trabalhos ou pode seguir para as conclusões da tese.

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Ao se engajarem em atividades relacionadas ao aprendizado de habilidades direcionadas ao empreendedorismo, ao autocuidado ou ao voluntariado, os participantes da pesquisa marcam um território e tratam de expandi-lo, dando visibilidade à velhice – seja na ocupação de espaços na cidade ou no compartilhamento de conteúdos em redes sociais e no WhatsApp, que provam essa disposição e competência para a produtividade. Ao fazê-lo, eles desafiam os limites impostos pela idade e essa é a grande reinvenção partilhada pelos participantes da pesquisa.
No link a seguir, você acessa o texto sobre a dinâmica entre idosos ativistas e idosos ocupantes e como eles desafiam o sistema de permissões da velhice em São Paulo.