METODOLOGIA
Aqui apresento a construção da pesquisa, com as escolhas metodológicas e como elas foram determinantes para as articulações e conclusões dessa tese.
Objeto da tese:
As práticas da velhice mediada pelo consumo de aplicativos de smartphones na cidade de São Paulo, com ênfase sobre as habilidades adquiridas por indivíduos de 50 a 80 anos e sobre seus impactos para a gestão individual da saúde e do envelhecimento na interface dela com os discursos que a constroem como moralidade.
Problema de pesquisa:
Verificar se e em que medida esses idosos aderem ou resistem, integralmente ou parcialmente, a esses discursos e como os consumos de aplicativos de smartphones contribuem para as táticas empregadas por esses idosos no cotidiano visando a gestão da saúde e do envelhecimento.
CONSTRUÇÃO DA PESQUISA
,A pesquisa é construída a partir da articulação das três partes definidas no problema: “os discursos que constroem a velhice como moralidade”, “os consumos de aplicativos de smartphones” e “as táticas empregadas por esses idosos no cotidiano visando a gestão da saúde e do envelhecimento”, sendo estas contextualizadas em São Paulo – o que implica dizer na interface com uma cultura local.
Os discursos que moralizam a velhice se abrem ao consumo. Em primeiro lugar, trata-se do consumo de suas imagens, que funcionam como modelos de conduta e que passam a comunicar a identidade do idoso ativo. Em segundo lugar, trata-se do consumo de produtos e serviços que visam realizar esse ideal de saúde.
Os smartphones passam a mediar não só o consumo dessas imagens, mas também o acesso a esses produtos e serviços alinhados com o envelhecimento saudável (ativo e bem-sucedido)
Esses consumos reverberam no cotidiano em usos particulares que expressam as prioridades, possibilidades e preferências de cada idoso e de seu projeto individual de envelhecimento e gestão da saúde. Esses consumos viabilizam conformidades, mas também brechas e resistências.
A POÉTICA DO COTIDIANO
De Certeau (2014) aponta para essas negociações propondo que haja uma poética do cotidiano quando aquilo que é ofertado para firmar os interesses do polo de produção é ressignificado no consumo. Nesse sentido, defende que o consumo também é produção de sentidos desviantes, inesperados e criativos visando o cotidiano.
De Certeau chama de plano de estratégia aquilo que é da ordem do econômico e do político e de campo das táticas aquilo que o indivíduo faz com os consumos ofertados pelo plano da estratégia. Nesta tese, o plano das estratégias diz respeito aos discursos, políticas e representações que colocam a velhice sob administração, definindo um jeito correto de envelhecer e os consumos capazes de viabilizá-los e mediados por smartphones.
O campo das táticas diz respeito ao que os idosos fazem de fato com esses consumos mediados por smartphones, quais são as prioridades que elegem e como as realizam na prática.
DESENHO DOS CAMPOS
DEVER-FAZER: ANÁLISE DE DISCURSO DE LINHA FRANCESA
A Análise de Discurso de Linha Francesa permite resgatar, na materialidade do discurso, como a velhice vem sendo nomeada e construída como problema social passível de administração. Os documentos analisados na tese foram:
Os participantes da pesquisa não são leitores desses documentos voltados a gestores de políticas públicas. Eles são atingidos por outros textos, midiáticos, que inserem no cotidiano o modo de pensar a velhice como nomeado nesses documentos. Para analisar como esse discurso ganha o cotidiano, analisei dois textos:
• Filme publicitário do plano Prevent Sênior (2017)
Pela relevância do plano entre os participantes da pesquisa que se mantiveram no sistema de saúde suplementar após a aposentadoria.
• Documentário Envelhescência (2015)
Por se tratar de um conteúdo constantemente compartilhado e referenciado pelos participantes da pesquisa.
3 CAMADAS DE MORALIDADES
Duas hipóteses:
• A diretriz global do Envelhecimento Ativo se presta às moralidades compartilhadas localmente pelos participantes da pesquisa (valorização do trabalho), além de auxiliá-los na manutenção delas na velhice.
• As aspirações e consumos propostos pela política de Envelhecimento Ativo estão a serviço de um ideal de idoso cuja identidade é cunhada em termos de saúde (biocidadania).
PODER-FAZER: ADOÇÃO DE SMARTPHONES
Expectativa: Telemedicina 2.0 e o empoderamento para fazer o que se deve ser feito
Enquanto as imagens tratam de difundir um jeito correto de envelhecer, a tecnologia desponta como um empoderamento para a manutenção da saúde e da autonomia. A Web 2.0 com seu caráter colaborativo e os smartphones resultam em uma nova convocação. A de que os indivíduos, independente da idade, assumam seu papel em um novo sistema de saúde (a Telemedicina 2.0), centrado no paciente empoderado para as deliberações sobre a própria saúde.
Nesta tese, usou-se o modelo desenhado por Swan (2012) e chamado de “Health 2050” que propõe um cobertor tecnológico organizado em três camadas.
• Primeira Camada: aplicativos de monitoramento.
• Segunda Camada: busca de informações médicas e formação de comunidades voltadas à saúde.
• Terceira Camada: acionamento do sistema de saúde e medicina tradicional.
Realidade: adoção de smartphones por idosos e para que eles empoderam
Esta parte foi baseada minha experiência como voluntária em um dos cursos de WhatsApp dirigidos à Terceira Idade no campo de pesquisa. Durante 3 semestres, foi possível mapear as barreiras de adoção de smartphones, como o WhatsApp promove a inclusão digital desses idosos e quais seus impactos para a gestão da saúde e do envelhecimento.
Hipótese:
• O empoderamento do paciente para gestão da saúde como proposto pelo modelo participativo da Telemedicina 2.0 não se realiza na prática pelos participantes da pesquisa devido a barreiras na adoção de smartphones e no consumo específico dos aplicativos de saúde que viabilizariam esse empoderamento.
QUERER-FAZER: UMA ETNOGRAFIA DAS TÁTICAS
Para acessar as táticas adotadas pelos participantes da pesquisa para gestão da saúde e envelhecimento a partir do consumo de smartphones, optou-se por uma etnografia de longo termo que combinou observação participante e entrevistas em profundidade.
Quando
O período da etnografia foi de fevereiro de 2018 a maio de 2019.
Onde
A etnografia se situou no distrito da Vila Mariana devido à alta concentração de serviços de saúde e de iniciativas voltadas à Terceira Idade. A região atrai idosos de outras regiões de São Paulo, colaborando para a representatividade da pesquisa.
Critério de Elegibilidade
Pessoas de 50 a 80 anos (10 anos antes e 20 anos depois do marco dos 60 anos usado como definidor do idoso) moradores ou usuários dos serviços voltados à Terceira Idade ofertados na região.
O termo Idoso
Ao longo da tese, referiu-se aos participantes da pesquisa como “idosos”. Isso seria incoerente com a idade marco para essa nomeação, que é 60 anos no Brasil. Entretanto, permitiu-se essa generalização a partir da observação de que os participantes de 50 a 59 anos já são tratados como idosos pela sociedade, deflagrando o idadismo a que estão submetidos principalmente no mercado de trabalho.
Observação Participante
Durante 16 meses, a pesquisadora participou de atividades cotidianas frequentadas pelos idosos, além de acompanhá-los em seus grupos de WhatsApp e redes sociais.
Entrevistas em Profundidade
38 indivíduos foram selecionados aleatoriamente para participação na Pesquisa em Profundidade. As perguntas foram organizadas em três blocos: saúde, envelhecimento e smartphones. Ao final das perguntas, a pesquisadora solicitou aos participantes que mostrassem os aplicativos instalados em seus smartphones percorrendo um a um a fim de saber quem os instalou, qual foi o propósito do download e como cada aplicativo era usado no cotidiano.
Protocolos Éticos
A participação na Entrevista em Profundidade foi condicionada ao aceite por parte do participante do TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que explicava a finalidade da pesquisa e as implicações da participação na mesma. A pesquisa foi aprovada por Comissão de Pesquisa em Ética, sob nº Conep CAAE 90142318.2.0000.5511.
Agenda Semanal de Atividades Presenciais da Pesquisadora
SEG Reunião Grupo Trabalho / Encontros Bíblicos Igreja Evangélica
TER Ioga / Aulas WhatsApp / Grupo de Meditação / Centro de Umbanda
QUA Pilates / Igreja Messiânica
QUI Ioga / Aulas Smartphone
SEX Pilates / Encontros sociais com participantes
SAB Encontros sociais com participantes da pesquisa
DOM Missa Igreja Católica / Encontros sociais com participantes
Estrutura de Análise:
Para apresentar as táticas empregas pelos participantes da pesquisa a partir do consumo de smartphones, utilizou-se as três expectativas desenhadas pela política de Envelhecimento Ativo para o idoso: o cuidado da saúde, o cuidado com familiares e a manutenção da produtividade. Nesta tese, nomeei esses três trabalhos como a Tripla Jornada do Protagonista. É no diálogo com ela que apresento as análises daquilo que foi observado nesse campo do Querer-Fazer.
Hipótese:
• O consumo de smartphones amplia as possibilidades de resistência do idoso objeto da política de Envelhecimento Ativo porque viabiliza um novo jogo entre aquilo que se coloca em julgamento (visibilidade) e o que se oculta (bastidores).