EXPECTATIVA: PODER FAZER O QUE DEVE SER FEITO
A partir da análise de documentos internacionais visando políticas para o envelhecimento, observou-se como a velhice é construída como problema social cuja dependência da população economicamente ativa pode inviabilizar o desenvolvimento das nações. As demandas por recursos de saúde e os gastos com previdência são as principais consequências econômicas relacionadas ao envelhecimento.
A responsabilidade por viabilizar a permanência do contingente idoso na sociedade vai sendo terceirizada para os próprios idosos que devem assumir o protagonismo de sua saúde e participação na sociedade, com foco na prevenção e na manutenção da produtividade, seja em trabalhos informais, seja em trabalhos não remunerados como o de cuidador informal de parentes mais velhos ou dos netos. Esse é o protagonismo de que trata especificamente a política de Envelhecimento Ativo. Ser protagonista da própria saúde e envelhecimento passa a ser uma demanda e uma virtude dos cidadãos responsáveis. Neste sentido, o protagonismo é construído como uma moralidade.
A responsabilização do indivíduo pela saúde não é, entretanto, exclusividade dos idosos, mas de todo cidadão de bem comprometido com a manutenção da sociedade. O advento da Web 2.0 e dos smartphones capacitaria os indivíduos para esse dever. Nesta perspectiva, essas tecnologias viabilizam um sistema participativo de saúde centrado no paciente que passa a assumir papel ativo na informação, prevenção e correção da saúde a partir de uso de aplicativos de monitoramento, buscas na internet e colaboração em redes de conhecimento que passam a envolver leigos e profissionais de saúde.
Nessa tese, usai o modelo de Health 2050 proposto por Swan (2012) para análise desse modelo participativo. A autora propõe um cobertor tecnológico no qual os sistemas de saúde seriam o último recurso a ser acionado pelo indivíduo já empoderado por outros recursos para gestão participativa e colaborativa da saúde. Essa página demonstra como esse ideal de empoderamento não se realiza para os participantes da pesquisa, apontando as causas que inviabilizam esse poder-fazer como idealizado pela Telemedicina 2.0.
HEALTH 2050: O COBERTOR TECNOLÓGICO DE SWAN
GANHOS NO MICRO E NO MACRO
1 M-HEALTH APPS: AUTOMONITORAMENTO
2/8 NÃO USA: Aplicativo identificado como pré-instalado
3/8 NÃO USA: Perda de interesse
4/8 NÃO USA: Abandono de objetivo de saúde
5/8 NÃO USA: Não entendimento das métricas / desobediência das métricas
6/8 USO PASSIVO: Visualização sem intervenção
7/8 USO PASSIVO: Visualização sem intervenção
8/8 USO ATIVO: Preocupação com autonomia / Não ser um fardo para os filhos
“Eu não dou nem um passo a mais”
MULHER PARTICIPANTE DA PESQUISA
“Diariamente tento atingir o número de passos proposto para não me sentir sedentária”
MULHER PARTICIPANTE DA PESQUISA
2 COMUNIDADES: CONHECIMENTO COLABORATIVO
• Apenas 1 participante integra uma rede focada em alimentação e saúde que reúne especialistas e leigos em um grupo de WhatsApp.
• Os conteúdos de saúde estão entre os relevantes compartilhados nos grupos de WhatsApp desses idosos em geral. Porém, os grupos não são criados com temas voltados à saúde, mas a outros interesses.
“A internet é meia assustadora, né?”
• “Dr. Google”: buscas impactadas pelo tempo de escolaridade e literacia digital.
• Manutenção da deferência à autoridade médica independente da classe social.
• Buscas são relacionadas com curiosidades, prevenção e a nutrição é o campo no qual os participantes mais se lançam a experimentações baseadas nos conteúdos disponíveis na internet.
• Mesmo as buscas de saúde online são dirigidas aos “médicos da internet” no Youtube com destaque para os canais do Dr. Drausio Varela e Dr. Lair Ribeiro.
• Em caso de sintomas e doenças, aciona-se os profissionais da área da saúde que já fariam parte da terceira camada do cobertor tecnológico de Swan.
47% dos brasileiros
fizeram buscas de saúde em 2019
71% Nível Superior / 28% Fundamental
64% classe A / 31% classe DE
39% na faixa dos 60+
A mais baixa por categoria etária
RELATÓRIO DE IMPRENSA TIC DOMICÍLIO 2019
3 SISTEMA DE SAÚDE: PROVEDORES
• Uma segunda participante tentou usar o aplicativo, mas não conseguiu devido ao código de validação que deve ser fornecido pela UBSs.
• O aplicativo da Prevent Sênior é considerado difícil para agendamento de consultas por isso 100% dos usuários migram para o site ou para o telefone para agendamentos.
• A função do aplicativo fica reduzida ao uso da carteirinha de identificação digital considerada altamente útil pelos usuários.
• Os usuários utilizam o site ou o telefone para agendamento de consultas.
PRINCIPAIS DIFICULDADES
• Usabilidade das interfaces.
• Download e set up de novos aplicativos.
“Então ele [referindo-se ao Estado] tá falando que tá empoderando a sociedade… tá empoderando… empoderar quer dizer foda-se, né?”
PARTICIPANTE DA PESQUISA
CONCLUSÕES
O modelo participativo de saúde centrado no paciente empoderado pela tecnologia para a tomada de decisões não se realiza para os participantes da pesquisa:
• Buscas sobre saúde são determinadas por grau de escolaridade e classe social.
• Buscas sobre saúde são determinadas pelo grau de literacia digital implicado no julgamento das informações encontradas online.
• Uso de aplicativos de autonomitoramento não é relevante entre os participantes.
• Uso de aplicativos na interface com provedores de saúde é limitado por problemas de usabilidade.
• Independente da escolaridade e classe social, há manutenção da deferência à autoridade médica entre os participantes.
TOP DOWN X FROM BELOW
Os aplicativos de automonitoramento e os aplicativos para interface com provedores de saúde são recursos criados por desenvolvedores conciliando interesses dos fabricantes e aquilo que se identifica como necessidade dos usuários potenciais (TOP DOWN). Seu uso significa a adoção de uma nova tecnologia que encontra barreiras na familiarização dos participantes da pesquisa com essas interfaces, resultando no uso irrelevante entre eles.
Isso não quer dizer que os smartphones não tenham grande impacto sobre a saúde e a experiência de envelhecimento entre os participantes.
Ao contrário, o WhatsApp tem grande impacto para essa população, sendo apropriado para gerenciamento da saúde e de cuidados. Explorar o WhatsApp para essas finalidades é uma oportunidade de ultrapassar barreiras relacionadas à adoção de novas tecnologias porque o WhatsApp é o aplicativo com o qual os participantes da pesquisa já têm familiaridade.
Em outras palavras, trata-se de um exercício de empatia que aprende aquilo que os participantes da pesquisa já fazem ao usar o WhatsApp para saúde e explora uma inteligência de baixo (FROM BELOW).